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05/10/1683: Carta do Governador e Capitão do Brasil dando conta de um assalto a Francisco Teles de Menezes
O Governador e Capitão Geral do Estado do Brasil, Antônio de Sousa de Menezes, em carta de 23 de junho deste ano, dá conta a Vossa Majestade que em quatro do dito mês, das 10 para as onze horas do dia, indo Francisco Teles de Menezes, alcaide-mor daquela cidade, recolhendo-se para a rua ela Sé, para a do colégio, com três negros seus lhe saíram ele uma travessa oito mascarados com bacamartes e catanas, além de outros que tinham de socorro e disparando nos negros que se puseram diante, caíra um morto e o outro com uma bala pela cabeça e como não acertara no alcaide-mor o investiram com as catanas, deitando-lhe uma mão fora e com outras feridas pela cabeça e pescoço, e um chuçasso pelo corpo, expirara pelas Ave-marias, recebendo os sacramentos, feito o delito se recolheram os delinqüentes no colégio onde ficaram os dois irmãos, Francisco e Antônio de Brito e André de Brito, (por cuja ordem se dizia fora feito o caso) este com um cavalo selado em que montara e os mais de sua parcialidade, se ausentaram, incorporando-se uns com outros pelo recôncavo, sendo estas inimizades antigas por encontros que havia tido em diferentes ocasiões em que se haviam posto dois negros, ao dito alcaide-mor em que ficara culpado o dito André de Brito, um mulato e um negro que foram condenados, um à morte, e outro a degredo, ,e o dito André de Brito estava servindo o ofício de Provedor da Alfândega, de que fora suspenso pela devassa geral, de que se dava conta a Vossa Majestade com a dita devassa.
Que com estas antecedêncas cresceram os ódios, inimizades e ferimentos, que tudo ajudara a este novo excesso e tirania, sem haver ocasião de honra que o pedisse, mais que ódio ajudado ele conselhos que se faziam conhecidamente no colégio à vista do Padre Antônio Vieira e de seu irmão o Secretário de Estado e sobrinho Gonçalo Ravasco, que diziam fora conhecido ser um dos mascarados, e que estava degredado para a África por uma cutilada que dera pelo rosto ao meirinho e assim consta por uma certidão que remeteu haver-se mandado aviso na quinta-feira à noite, véspera do sucesso de se haver feito a dita junta no colégio, com assistência das pessoas do dito secretário, seu filho, e Diogo de Sousa, o Padre Antônio Vieira, no zelo que ocupava o torto Diogo de Sousa, e outros mais que por recatados se não conheceram.
Pela qual razão se mandara prender o dito secretário e por as partes requererem que se prendesse em flagrante delito e a ir Diogo Piçarro, que também se achara na junta.
E que mandando êle governador cercar o colégio se não pudera conseguir mais por não ser capaz de se buscar, e por queixa que fizera do arcebispo mandara retirar a Infantaria, sendo que a demonstração não era nova, porque no tempo de Francisco Barreto, fora êle pessoalmente ao Convento do Carmo buscar um homisiado, que também mandara tropas ao sertão, na mesma noite, porém não surtira efeito por se haverem escondido, nascendo todas estas inimizades do tempo da morte do alcaide-mor.
Que os criminosos puseram suspeições ao Doutor Manuel da Costa Palma que serve de ouvidor geral do crime e em seu lugar se nomeara ao Desembargador João da Rocha Pita, para tirar a devassa e que as partes atualmente estavam intimidando as testemunhas de dentro do colégio e aparecendo às janelas com pouco respeito às justiças, fazendo lhe com descompostura, nos quais termos não era possível dar satisfação àquelas queixas por se terem admitido estes e outros homisiados no dito colégio e de uns e outros nascera o sucesso.
E que ao mesmo Padre Antônio Vieira, por respeito de seu irmão e sobrinho haver sido a maior parte destes excessos devia Vossa Majestade, sendo servido ordenar ao provincial (que nesta ocasião se não achava presente por andar em visita) que o mude para o colégio do Espírito Santo, pelo séquito que tem naquela cidade de homens de negócio e da nação, o que se não poderia remediar por outro caminho, assistindo na terra.
E de tudo dava conta a Vossa Majestade para ordenar o meio mais conveniente para remédio destes excessos e de outros, de que se avisava a Vossa Majestade.
Com a referida carta se viu neste Conselho outra do Desembargador João da Rocha Pita, escrita em 3 de julho deste ano, em que diz que para dar conta a Vossa Majestade do estado em que se achava aquela cidade com a morte violenta, que se dera ao dito alcaide-mor de que era juiz comissário lhe era forçoso para maior inteligência do caso referir seus princípios.
Chegando àquela cidade o ano passado o Governador Antônio de Sousa de Menezes fora tão infeliz, que contraíra nela a primeira amizade com o dito alcaide-mor e por seu meio com o Desembargador João de Góes de Araújo e Manuel da Costa Palma, nos quais se livraram todas as disposições do seu governo, e como os ditos desembargadores e alcaide-mor eram com pouca coisa inimigos descobertos de quase todos os mais ministros da Relação e de muita parte da nobreza e povo, persuadiram ao dito governador como parentes, informações e culpas fingidas, ou estudadas, procedesse contra todos aqueles de quem eram inimigos.
E como a impaciência e desesperação destes fossem crescendo a medida dos agravos, se resolveram sete ou oito mascarados,e em o dia e horas referidos, a matar com todo o desaforo o dito alcaide-mor como fizeram e a um negro seu, ficando mal feridos três ou quatro, que o quiseram defender.
Feitas as mortes e recolhidos os delinqüentes no Colégio da Companhia de Jesus, mandara o governador pôr-lhe guardas e despedir a várias tropas de soldados em seu alcance, mandando pôr editais, com prêmios a quem os prendesse ou descobrisse e feitas as diligências a rogo dos denunciantes, o chamara o dito governador e cometera o procedimento da devassa por ser julgado de suspeito o Desembargador Manuel da Costa Palma e que querendo-se honestamente escusar o não pudera fazer, e querendo dar princípio à devassa tivera por certa notícia que os parentes do morto instavam com o governador que mandasse prender os dois Mestres de Campo, Pedro Gomes e Álvaro de Azevedo e juntamente o irmão e mulheres de Francisco e André de Brito, Provedor da Alfândega, e metê-los a todos nas enxóvias daquela cidade, da qual resolução por parecer mais vingança que castigo se seguia infalivelmente alteração e movimento na Infantaria e na nobreza da terra como lhe fora revelado.
Pelo que buscara logo o governador e lhe representara que sua pessoa era empenhada na satisfação da morte do alcaide-mor e o Desembargador João de Góes de Araújo, aparentado com êle por várias vias, e que não era razão que por seu arbítrio se prendessem a título de matadores do alcaide-mor quantos inimigos tinha e que pois lhe havia cometido a devassa, devia fiar dele o procedimento contra os culpados na forma de direito e que o prendera antes da culpa formada, não era preciso e que no caso presente onde havia matadores certos e eram os denunciadores muitos se não prendiam mulheres fidalgas sem prova alguma, mais que nomeá-las à parte, assim de as levar à cadeia pública e despicar-se nesta forma de seus maridos e irmãos, conhecendo o governador a sua razão lhe dissera que não passaria ordem alguma contra os denunciados e que lhe remeteria todos os requerimentos, que sobre a matéria se fizessem, porém, como as partes entendessem que por aquela via não podiam obrar o que desejavam, havendo-o pedido por juiz desta causa lhe tornaram a pedir que mandasse não fosse por diante nela, o que o governador não quisera fazer e tendo denunciado diante dele, e tirado quatro testemunhas e com seus ditos quase capazes de pronunciar cinco ou seis delinqüentes dos principais o averbaram de suspeito os mesmos que o pediram por juiz, sem mais causa que por não prender sem culpa formada a todas as pessoas de quem denunciavam.
Suspendera a diligência, e como não acudiram no termo da lei com as suspeições por escrito e inquirindo devassamente testemunhas ex-ofício, na forma de sua obrigação, o fazia presente a Vossa Majestade estes sucessos para que Vossa Majestade conheça a pouca razão com que as partes se dão por ofendidas dos ministros daquele Estado e o pouco respeito com que os tratam e cpie o fim destas suspeições fingidas é que como anunciaram de muitas pessoas e de todos seus amigos e criados e escravos, e não acharam nele desembargador disposição para fazer esta extorsão geral antes da culpa formada queriam embaraçar o tirar-se a devassa para que todos seus inimigos, com suas famílias, se ponham a monte como estavam, e suas fazendas se perdessem no largo tempo que poderiam ser ouvidos.
E sobre tudo que Vossa Majestade ordenaria o que fosse mais conveniente a seu serviço conforme a presente necessidade.
Ao Conselho pareceu fazer presente a Vossa Majestade o que escreve o Governador Antônio de Sousa de Menezes, e o Desembargador João da Rocha Pita sobre a morte do Alcaide-mor Francisco Teles de Menezes e do estado em que hoje se acha a devassa sobre esta matéria.
Lisboa, 5 de outubro de 1683. O Conde. Malheiros.
Teles. Sande. Dourado. Cardoso.